Você tem strawberry?

Certamente que a culpa não é da Internet. Pra dizer a verdade, certamente, não há uma culpa específica para isto. Há, sim, o dinamismo da língua falada e escrita; quase um ser vivo como podemos perceber, que recebe influências de todos os lados. Até aí, tudo bem. Chato mesmo é querer usar um termo em outra língua para se sentir mais importante e também mostrar que sabe alguma coisa, quando isto se mostra desnecessário. Eu mesmo já presenciei isto. Certa vez a mãe de uma amiga disse que foi a feira e lá chegando, perguntou ao vendedor de frutas de uma barraca: “Você tem strawberry?”. Disse-me, esta senhora, que esquecera como se diz o nome daquela frutinha vermelha, com sementinhas verdes na casca e folhinhas verdes no alto, e que nós, pobres lusoparlantes, chamamos de morango. Não, isto não foi dito numa feira em alguma rua de Londres ou Nova York. Foi dito em plena Tijuca!

Usar palavras estrangeiras quando não se tem uma tradução perfeita é aceitável. Tentem, por exemplo, traduzir Intelligentsia, que é um conceito bem abrangente para algo que até podemos chamar de intelectualidade, com pitadas fortes de cultura de um país e inconsciente coletivo no meio. Tudo bem que este é um exemplo bem forçado. Vamos a um mais fácil. Não seria mais bacana escrever “Entregamos em domicílio” ou “Entregamos” do que escrever “delivery”? Também está certo que vários termos de outras línguas foram incorporados no nosso linguajar cotidiano. Sabe aquele cara que é bobo, que é passado para trás? Pois é, nós o chamamos de otário. O legal é que este mesmo cara teve sua origem na língua espanhola, mais especificamente da Argentina nos locais de nascimento do tango. Quer dizer, otário é aquele que vivia o dramalhão de ser largado pela mulher ou levar bolas nas costas. Entenderam, não? Não há carrocinha de cachorro quente que não tenha um apóstrofo no logotipo. Bons tempos aqueles do Angu do Gomes. Agora, fatalmente, seria Angu´s Gomes? Ou seria Angu Gomes´s? Ou ficaria melhor Gomes´s Angu´s?

Chato mesmo é querer parecer moderninho ao usar estrangeirismos. Antigamente, quando se fazia um gol ou quando alguma coisa dava certo, a gente dizia a palavra :”É!”, com a vogal repetida até o folego acabar. Hoje, infelizmente, virou “yeeeeeees”. Eu ainda prefiro esta coisa dita na forma de Louis Armstrong, aquele delicioso “Oh yeeeeaaaaahhhhh” ao final de What a Wonderful World. Ali se aplica bem. Entre nós, numa disputa de cara e coroa é que não dá pra conceber.

A coisa é tão forte no campo da influência cultural que até mesmo xingamento através de sinais feitos com as mãos foi modificado pela força do estrangeiro. Quando se queria mandar alguém tomar no c*.*, unia-se o indicador ao polegar formando um círculo e os outros três dedos apontando para baixo. E hoje? Ergue-se o dedo médio como se fosse tirar meleca e assim você está mandando alguém tomar naquele lugar aonde o Sol não bate. Há um registro fantástico desta nossa forma de xingar com os dedos, que ocorreu durante um Brasil X Inglaterra na Copa de 70, quando um jogador inglês, um tal de Lee, chutou a cabeça do Félix, nosso goleiro, sendo que este já havia feito a defesa e estava no chão. Formou-se o bolo em volta do súdito da Rainha Elizabeth e o Rivelino, no meio do bafafá, uniu o polegar ao indicador e mandou o gringo take on the ass. Tudo isso via Intelsat 3, o satélite que transmitia os jogos e era berrado pelos locutores de então.

E eu nem entrei no perigosíssimo terreno dos nomes próprios. Isto sem falar nas combinações que mais transformam o nome da criança numa verdadeira sopa de letrinhas, tal é o uso de letras que nem fazem parte de nosso alfabeto como o W, o Y e o K. Pra que tudo isso? Ora, para parecer estrangeiro e bacana. Para ser diferente da gentinha que fala este idioma chamado Língua Portuguesa. Inculta? Uma ova! Bela? Extremamente! Melódica? Sinfônica!

Tudo bem que a nosso língua, o Português falado no Brasil tenha influências de línguas africanas e nativas. Mas, caramba, isto é parte de nossa cultura! Tudo bem também que em outros tempos, quando o francês predominava, a gente dizia coisas do tipo “savoir-faire”, “abat-jour”, “rendevouz”. Vamos a alguns exemplos que se tornaram palavras de origem francesa bem corriqueiras para nós hoje: garçon, cabine, boutique, coupon, dossier, filet, purée, toilette, vitrine, buffet, madame, marron. Todas foram adaptadas com pequenas modificações e não preciso nem citar. Exemplos não faltam.

Faça uma pequena pesquisa e veja o quanto usamos termos em outras línguas que são até uma demonstração de pedantismo e falta de informação.

Para mostrar um pouco disso, um vídeo com Zeca Baleiro e Zeca Pagodinho, o Samba do Approach.