Lapa, um pedaço especial do Rio de Janeiro















Um dia desses, pela manhã, eu saí para tomar café no botequim da esquina da Travessa do Mosqueira com Joaquim Silva e comecei a prestar atenção aos sobrados desgastados pelo tempo e que guardavam um ar não misterioso, mas nostálgico de um tempo em que a iluminação era a gás e a argamassa das casas era elaborada com óleo de baleia. Enfim, um tempo que não volta, mas está gravado nas paredes. Lembrei de um antigo samba-enredo da Portela que dizia assim: Abre a janela formosa mulher/cantava o poeta trovador/Abre a janela formosa mulher/ Da velha Lapa que passou.

Não sei se vocês podem imaginar a sensação de estar pisando em um território, que para muitos nunca foi e não é sagrado. Nem poderia ser, mas pisava num território onde figuras da intelectualidade e também rufiões, prostitutas, policiais, malandros e toda ordem de pessoas que viviam à margem da legalidade um dia pisaram. Assim como Chico Buarque cantou “Eu fui à Lapa e perdi a viagem/Que aquela tal malandragem/Não existe mais”. Sim, a Lapa da malandragem está preservada no ar que se respira, nos sobrados, nas esquinas e ruas. O fascínio do moderno e do antigo atraíam pessoas de todas as partes do mundo. Ainda a pouco, um casal de gringos desceu de um táxi para se hospedar no hotel Marajó. Eu me perguntei: o que eles vieram fazer aqui? Talvez, ao caminharem menos de 100 metros podem se deparar com os Arcos da Lapa, o aqueduto construído em tempos coloniais. Se andarem na direção oposta chegarão até a Glória, aonde está uma das mais belas igrejas da cidade. Se quiserem, podem andar um pouquinho mais e tomar o bondinho para Santa Tereza.

Este pedaço do Rio de Janeiro foi responsável por momentos memoráveis da cultura brasileira e aqui, de forma impressionante, ainda se respira o ar dos primeiros anos do século XX. Falo isto de cadeira, pois da janela eu posso ver a rua aonde o Madame Satã brigou com Geraldo Pereira e este veio a falecer. Na esquina, está o prédio em que durante anos morou Portinari e um pouco mais além, a moradia de Manuel Bandeira. Daqui mesmo é possível ver o convento. Se descerem a rua Teotônio Regadas, chegarão à Rua da Lapa e estarão de frente para o Passeio Público. Novamente me pergunto: Será que os gringos vieram procurar os tais malandros que Chico Buarque disse não ter encontrado?

Um vídeo sobre a Lapa